EPIFANIA #2: Do que eu falo quando falo de esportes
Um texto sobre a prática esportiva, performance e pressão estética
Olá, epifânicos! Bem-vinde à edição #2 da EPIFANIA.
Com licença, parafraseando o livro Do que eu falo quando eu falo sobre corrida, do Haruki Murakami, para o título de hoje, gostaria de compartilhar algumas reflexões que venho tendo sobre a prática de esportes.
Acredito que o tema fuja um pouco do que pensei inicialmente quando criei essa newsletter, mas espero que este texto encontre alguém, em um dia qualquer, e possa ser algum tipo de conforto, especialmente para mulheres.
Não quero propor nenhum discurso meritocrático de tipo “você só precisa querer”. Não faz meu estilo e também porque entendo bem que a prática de esportes ainda não é acessível para a maioria das pessoas – é uma questão de classe – considerando que vivemos em uma sociedade que suga nossa energia física e mental e nos impede de ter tempo livre para atividades que não geram capital para ninguém.
Espero que curtam.
Acho que nunca tive uma relação tão intrínseca com esporte como estou tendo nessa altura da vida, e justamente por isso, venho refletindo sobre o desenrolar dessa relação ao longo da minha vida.
Pratiquei natação quando era criança, mas depois disso, o esporte ficou bastante esquecido na minha vida. Só voltei a pensar nele com o objetivo de emagrecer, quando eu tinha uns 18 ou 19 anos. Lembro até hoje das tentativas frustrantes de ir para a academia, de como os processos naturais são extremamente lentos e de como há uma ansiedade enorme de alcançar um tipo de corpo rapidamente. Essa é a lógica que a academia proporciona, mas não só ela; é também a lógica construída para mulheres quando o assunto é prática de esportes.
Além da natação, não lembro de ter sido incentivada ao esporte na infância (você lembra?). Para meninos, a prática esportiva é sempre mais incentivada, e isso se reflete até nos presentes: bola de futebol, chuteiras, aulas de judô e escolinha de futebol. Para meninas? Cozinha, bebês, roupas, maquiagem. Esporte? Zero. Pelo menos foi assim comigo, e isso não é uma crítica à minha criação ou aos meus pais, mas sim à estrutura maior que rege a nossa sociedade. Afinal, praticar esportes também é uma questão de classe (a que eu pertenço não pratica em sua essência) e é também uma questão de gênero, que vêm desde a nossa infância.
Todos os dias, mulheres enfrentam obstáculos simplesmente pelo fato de serem... mulheres. No esporte, não é diferente. A prática de exercícios físicos por mulheres no Brasil é 40% menor do que a dos homens, segundo o relatório “Movimento é Vida”, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) – um indicativo de que o cenário esportivo ainda carrega muita desigualdade de gênero.1
Voltando à minha experiência: só voltei a praticar esportes oficialmente em 2021. Depois de um ano presa em casa durante a pandemia, meu corpo começou a dar sinais de cansaço, e decidi ir para a academia apenas para aliviar as dores. Desde então, a academia passou a fazer parte da minha vida, mas ainda sim, de forma inconstante – um mês indo, dois meses não indo, e assim por diante. Sempre estava num lugar de obrigação, era chato e eu não pertencia aquilo. Normal.
Só no ano passado, eu decidi fazer diferente e ser mais disciplinada, porque afinal, quando se pratica esportes só há ganhos. Mas ainda assim, a voz inconsciente de “você precisa emagrecer” sempre esteve presente susurrando no meu ouvido, até que uma grande mudança de pensamento aconteceu bem recentemente.
Uma amiga e eu criamos um grupo de mulheres chamado Gostosas Inteligentes Club (se você quiser fazer parte, sinta-se a vontade, só me pedir o link) para nos incentivarmos a manter uma rotina ativa. Além disso, comecei a seguir pessoas que não são magras e mais próximas da minha realidade, porque nós sabemos bem como as redes sociais glamourizam a vida fitness e a tornam irreal, sempre voltada para performance e emagrecimento porque é assim que o esporte é inserido na vida da maioria das mulheres: para deixá-las em um padrão de corpo aceitável.
Essa mudança abrupta que comentei ali aconteceu quando decidi começar a correr.
A decisão veio no início deste ano, mas, por causa de um problema físico e falta de fortalecimento, passei o ano inteiro me preparando, fortalecendo e fazendo exames. Esperei pacientemente. Até que, há dois meses, o médico me liberou para correr com parcimônia.
Com a corrida, percebi que, pela minha primeira, eu escolhi um esporte sem pensar em emagrecimento. Os motivos do porquê correr são outros. Como ter mais uma opção de esporte na minha vida.
Mas, correr realmente tem muitas vantagens. Li há alguns dias o livro do escritor japonês Murakami que comentei acima. Ele, aos 33 anos, escolheu fechar seu bar de jazz em Tóquio para se tornar escritor e escolheu ser um corredor de longas distância para se manter ativo. Correu sozinho o percurso que deu origem as maratonas que conhecemos: a distância de 42 km entre Atenas e a cidade de Maratona. Para ele, começar a correr é bastante simples:
“Em primeiro lugar, você não precisa de mais ninguém para fazer isso, nem de nenhum equipamento especial. Não precisa ir a nenhum lugar especial para fazê-lo. Contanto que tenha um par de tênis de corrida e uma boa pista ou rua, pode continuar correndo enquanto sentir vontade. Jogar tênis é completamente diferente. Você precisa ir até uma quadra, e precisa de alguém para jogar com você. Nadar dá para fazer sozinho, mas ainda assim é necessário ir até uma piscina.”2
Esse meu texto parece um devaneio sem muita direção, mas permita-me finalizá-lo com um recado direto que eu gostaria que tivessem me dado antes, especialmente para mulheres e pessoas fora do padrão que podem vir a ler este texto:
Nós somos constantemente cobradas e julgadas por nossos corpos, e o esporte entra como o “salvador” responsável por ajudar a chegar nesse padrão. Mas, mesmo que você o alcance, você ainda será julgada (risos). Por isso, afirmo com toda certeza: você pode escolher praticar um esporte que seja divertido, prazeroso e que entre como seu momento sozinha consiga mesma.
Comece a se exercitar porque você respeita e cuida do seu corpo, e não porque o odeia.
Quando você entender isso, mesmo que emagrecer seja um objetivo (como é o meu), você se torna gentil consigo mesma, sem se punir. Para de ser inimiga da comida e escolhe o equilíbrio ao invés da restrição. Você decide praticar esportes para se divertir, conhecer pessoas novas e ter novas experiências.
Quando essa escolha chegar, você entende que resultados não aparecem rapidamente, pois fazem parte de um processo longo. Não adianta querer um corpo específico para o verão em dois meses. Isso só vai fazer você se frustrar com o esporte, porque os resultados que você espera de forma rápida não vão aparecer.
Escolha um esporte para chamar de seu e seja feliz. Quando essa escolha for feita por vontade própria, tudo vai ficar mais fácil. A disciplina se torna natural, pois, sem a prática, nada funciona. Aquilo se integra ao seu estilo de vida.
E eu falo tudo isso de um lugar de uma pessoa totalmente comum: trabalho todos os dias, não tenho empregada doméstica, preciso cuidar da minha casa, preciso fazer minha comida e não tenho grana sobrando para gastar com produtos fitness caros.
Se a academia não for sua praia, sem problemas. Existe natação, pilates, caminhada, corrida, boxe, jiu-jitsu, muay thai, judô, tênis, vôlei, yoga, treino funcional, crossfit, futebol, bicicleta e mais uma infinidade de esportes para experimentar.
Desde que comecei a correr, entendi o significado de tudo o que falei até agora, porque foi a primeira vez, aos 27 anos, que escolhi praticar um esporte sem a pressão de fazer algo para emagrecer, e é até difícil colocar em palavras o sentimento que ter feito essa escolha me trouxe.
Espero de coração que, algum dia, você também sinta o mesmo.
[Para seguir]
Big Girls Club é um clube idealizado pela Letticia Muniz para incentivar mulheres fora do padrão a aceitarem e cuidarem dos seus corpos através do esporte e de uma vida mais saudável. Tem treino online 3x na semana, tem conteúdo, tem mulheres fazendo coisas incríveis. Uma dose diária de auto estima!
[Para fazer]
Quinta (14.11) - Rolê no CR1A
A partir das 18h, vai rolar uma comemoração de aniversário da minha amiga e MC Tamiyou no CR1A 011 (Centro de SP) e estarei como DJ ao lado de LARA, Sodomita e a própria aniversariante. Vamos? Entrada gratuita. Rua São Domingos, 251 (10 minutos do metrô Anhangabaú).
Sexta (15.11) - Mostra ‘Um Defeito de Cor'
No Sesc Pinheiros, está rolando uma mostra de arte que parte do romance histórico de Ana Maria Gonçalves e a exposição pretende um profundo mergulho pelas quase mil páginas do texto de “Um Defeito de Cor”.
[Para ouvir]
JovemBlues, lançou seu primeiro álbum chamado “A Suprema Voz do Blues”, produzido e mixado pelo meu amigo Cauê gas. Está absurdo, um dos álbuns mais lindos que escutei nos últimos tempos. Vale muito a pena conhecer!
MURAKAMI, Haruki. Do que eu falo quando eu falo de corrida: Um relato pessoal. Alfaguara, 2010. pg. 35
Tenho lido esse livro aos poucos, e cada momento parece ser algo que estou vivendo. Parabéns pela abordagem!! Esporte salva vidas 🌟